Expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado*

21/08/2018 14:30

Joseane Pinto de Arruda1

jpa.veg@gmail.com

 

Aula de matemática. Crianças. Classes de 5º anos dos anos iniciais do Colégio de Aplicação da UFSC. Professora (eu) & colegas pesquisadoras/es do Grupo de Estudos Contemporâneos em Educação Matemática (GECEM). Agitação. Curiosidade. Espontaneidade. Perguntas e suposições:

– Quem é você?

– O que você faz aqui na nossa turma com a professora?

– Eu acho que é estagiária/o da Pedagogia.

– Não, é bolsista que vem cuidar da nossa turma.

– Eu acho que o nome dela/e é A…., tem cara (J) deste nome.

– Nada disso, ela/e vem dar aula de matemática.

– Hum…, será?

Encontro. Pausa. Apresentações. Mais perguntas. Alguns ecos.

– O que você veio fazer de atividade na nossa turma?

– Oficina de matemática e arte?

Pergunto eu:

– O que essas atividades oficineiras podem fazer pensar em aulas de matemática?

Atravessamentos. Estranhamento de si, do que se faz, do que se tem. Entrega. Experiência. Algo que passa de um ao outro. Possibilidade de se dar a ver, sentir, estar. Pensar com crianças. Pesquisas com crianças em movimento no GECEM. Pensar e estar com colegas. Sem modelos. Nas “experiências de um corpo em Kandinsky: formas e deformações num passeio com a infância” de João Carlos Moraes. Em um oficinar-de-experiências que pensa com crianças: matemáticas-cubistas, formas brincantes e ex-posições” do Bruno Francisco. Em “uma martemática que per-corre com crianças em uma experimentação abstrata num espaço-escola-espaço” da Mônica Kerscher (entre-outras). Nos “traços surreais no encontro com Salvador Dali e crianças e matemática e oficina” da Jéssica de Souza.

Sim, efeitos. Oficinas-dispositivo. Espaços não para ver o que pensamos. Para pensar o que vemos. Que quebram rotinas de pensamento. Deslocam expectativas. Do visual para o audível. Ouvir(-se). Expor(-se). Sentir. Estar. Experiência. Matemática. Arte. Saberes que se interconectam. Proporção. Simetria. Estética.Volume. Área. Formas. Geometria. Hipercubo. Cubismo. Surrealismo. Abstracionismo. Aberturas. Potência. Mais relações:matemática & arte. Encontro com o outro. Consigo. Com a infância. Com o uso de materiais. Fugir do prescrito com cautela. Planos de aula. Exercícios. Cálculos. Tabelas. Regras. Técnicas. Fórmulas. Currículo possível. Experimentar o que se tem na escola. Experimentar uma cultura outra de ensino e de aprender matemática. Pensar não é conhecer. Conhecer é identificar, compreender. Pensar é refletir. É se opor as coisas do modo como aparentam ser. É formular outras rotas não traçadas. Ceder espaço à espontaneidade. À palavra. À imaginação. À livre associação de ideias. Matemática jogada sob outras regras desconhecidas.

Das oficinas às aulas nos 5º anos. Matemática que segue um curso desacostumado. Ou (talvez) menos acostumado. Crianças que transitam por possibilidades de pensamento: em que triângulo é também um instrumento musical. 360º graus deve ser igual a menina que gira o pescoço no filme do exorcista. “Elemento neutro” pode significar uma pessoa sem opinião. Cem-tena devia ser escrito assim… Eu penso que o ensino é como a arte, não se controla. Faz-se livre. É. Quero mais é sair por aí. Questionar o que me dizem do fixo. Fazer descaber o sabido. Sentir sabor de uma outra prática. Caminhar sem culpa com colegas do GECEM e com crianças para sonhar e desacostumar. Para “[…] des-formar o mundo: tirar da natureza as naturalidades […]”*, como em bom Manuelês. Professora – Criança outra vez!

*BARROS, Manuel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 75.

1Doutora em Educação Científica e Tecnológica e Professora que ensina Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no Colégio de Aplicação da UFSC.