Um encontro com crianças e matemática e arte cubista
Gabriel José Gesser
Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano):
A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
Isto seja:
Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo.
Fazer noiva camponesa voar – como em Chagall.
Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por aí a desformar.
[…]
Manoel de Barros
Com o título de pesquisa “Esculpindo com Picasso e partilhando matemática”, uma oficina acontece. Estudos sobre o artista Pablo Picasso e o movimento cubista foram realizados. Autores, como Shapiro (2002) e Stangos (1991), relacionam as obras do artista Picasso com características matemáticas, dentre elas a geometria e a dimensionalidade. A partir disso e com isso, relacionando com estudos feitos no GECEM sobre Educação Matemática, se elaborou uma oficina.
A oficina, em sua composição, contém características estudadas sobre o movimento cubista e do artista Pablo Picasso. Antes da aplicação da oficina, foram registradas algumas fotos dos alunos em sala de aula. Com esses registros, elaborou-se uma montagem e edições resultando em uma imagem que apresenta os alunos na sala de aula com elementos do cubismo. Alguns rostos lembravam formas geométricas ou estavam ressaltados com papelão (colagem), corpos apresentavam a composição de três fotos de ângulos diferentes e a sala de aula era uma composição de várias fotos. No dia da aplicação da oficina, essa imagem estava nas laterais de uma caixa no meio da sala de aula.
– Ue, o que que é isso daqui?
– Oh, me pegaram copiando
– Me pegaram no flagra!
Em um primeiro momento da oficina foi realizado uma conversa com os alunos sobre a imagem que estava na lateral da caixa. Os alunos fizeram comentário sobre algumas características da foto, que por sua vez também eram características do movimento artístico cubista. Sem mencionar de fato sobre o movimento, conversamos sobre alguns de seus elementos.
Gabriel: O que vocês acharam da foto?
– Algumas estão em relevo…
– Em relevo, que talvez tenha saído bem a foto e tirado de novo, pegaram papelão e recortaram e colaram.
– Qualidade ruim.
– Achataram ela gente. Fizeram assim nela. Que nem o Picasso…
– Ela parece estar vesga.
– Ta bugada!
– Parece que está tudo quadrado! É Minecraft.
Em seguida, foi apresentado seis pinturas do artista Pablo Picasso, são elas: “The cock of the liberation”, “Jacqueline assise avec Kaboul II”, “Woman sitting in an armchair”, “Compotier, bouteille et verre”, “Violin Hanging on the Wall” e “Crane and pitcher”.
Cada pintura estava amarrada em um pacote colorido. Dentro de cada pacote havia papelão, como material base, e outros materiais. A proposta, da segunda parte da oficina, era confeccionar um objeto físico (com volume), a partir das pinturas escolhidas, por cada dupla de alunos, utilizando os materiais da caixa e/ou do pacote. A caixa, que estava no centro da sala, havia materiais como: lã, linha, tecido, canudinho, papelão, CD, palito, papel colorido, cartolina, revistas, algodão, fita, botão e outros. A colagem, utilizando esses materiais, que os alunos realizaram, também eram presentes nas obras de Picasso.
Durante a oficina.
No terceiro momento da oficina, cada dupla apresentou o que haviam elaborado:
Nem todos os alunos confeccionaram um objeto com volume como sugerido, alguns tentaram reproduzir o desenho no papelão ou fizeram uma releitura do seu jeito.
Essa oficina proporcionou um lugar de possibilidades (MASSCHELEIN; SIMONS, 2017), onde foi problematizado o feio, o torto, o relevo e as várias dimensões que compuseram uma mesma foto ou pintura. No encontro de crianças com pinturas cubista ocorre um estranhamento, um pensar sobre: O que é o bonito? O que é deformado? Como compor um objeto com volume?
Para esses questionamentos os alunos associavam com o dia-a-dia, o mundo real. O deformado seria o que não é comum, o bonito relacionavam a questão de simetria ou um padrão de beleza e o compor um objeto com volume era passar do 2D (espaço bidimensional) para o 3D (espaço tridimensional). Além disso, conceitos matemáticos emergem nas falas dos alunos, sem mesmo citar durante a oficina, como: comprimento, profundidade e formas geométricas.
Assim, possível colocar em foco os discursos visuais emergentes dos alunos entre atividades artísticas e pensamento, onde a matemática se manifesta “como forma de vida, forma de falar do mundo” (FLORES, 2017, p. 184).
Referências
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.
FLORES, Cláudia Regina. In-fante e Profanação do Dispositivo da Aprendizagem Matemática. Perspectivas da Educação Matemática, 2017.
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública. Tradução Cristina Antunes. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
SCHAPIRO, Meyer. A unidade da arte de Picasso. São Paulo: Cosac&Naify, 2002.
STANGOS, Nikos. Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.