Expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado*

21/08/2018 14:30

Joseane Pinto de Arruda1

jpa.veg@gmail.com

 

Aula de matemática. Crianças. Classes de 5º anos dos anos iniciais do Colégio de Aplicação da UFSC. Professora (eu) & colegas pesquisadoras/es do Grupo de Estudos Contemporâneos em Educação Matemática (GECEM). Agitação. Curiosidade. Espontaneidade. Perguntas e suposições:

– Quem é você?

– O que você faz aqui na nossa turma com a professora?

– Eu acho que é estagiária/o da Pedagogia.

– Não, é bolsista que vem cuidar da nossa turma.

– Eu acho que o nome dela/e é A…., tem cara (J) deste nome.

– Nada disso, ela/e vem dar aula de matemática.

– Hum…, será?

Encontro. Pausa. Apresentações. Mais perguntas. Alguns ecos.

– O que você veio fazer de atividade na nossa turma?

– Oficina de matemática e arte?

Pergunto eu:

– O que essas atividades oficineiras podem fazer pensar em aulas de matemática?

Atravessamentos. Estranhamento de si, do que se faz, do que se tem. Entrega. Experiência. Algo que passa de um ao outro. Possibilidade de se dar a ver, sentir, estar. Pensar com crianças. Pesquisas com crianças em movimento no GECEM. Pensar e estar com colegas. Sem modelos. Nas “experiências de um corpo em Kandinsky: formas e deformações num passeio com a infância” de João Carlos Moraes. Em um oficinar-de-experiências que pensa com crianças: matemáticas-cubistas, formas brincantes e ex-posições” do Bruno Francisco. Em “uma martemática que per-corre com crianças em uma experimentação abstrata num espaço-escola-espaço” da Mônica Kerscher (entre-outras). Nos “traços surreais no encontro com Salvador Dali e crianças e matemática e oficina” da Jéssica de Souza.

Sim, efeitos. Oficinas-dispositivo. Espaços não para ver o que pensamos. Para pensar o que vemos. Que quebram rotinas de pensamento. Deslocam expectativas. Do visual para o audível. Ouvir(-se). Expor(-se). Sentir. Estar. Experiência. Matemática. Arte. Saberes que se interconectam. Proporção. Simetria. Estética.Volume. Área. Formas. Geometria. Hipercubo. Cubismo. Surrealismo. Abstracionismo. Aberturas. Potência. Mais relações:matemática & arte. Encontro com o outro. Consigo. Com a infância. Com o uso de materiais. Fugir do prescrito com cautela. Planos de aula. Exercícios. Cálculos. Tabelas. Regras. Técnicas. Fórmulas. Currículo possível. Experimentar o que se tem na escola. Experimentar uma cultura outra de ensino e de aprender matemática. Pensar não é conhecer. Conhecer é identificar, compreender. Pensar é refletir. É se opor as coisas do modo como aparentam ser. É formular outras rotas não traçadas. Ceder espaço à espontaneidade. À palavra. À imaginação. À livre associação de ideias. Matemática jogada sob outras regras desconhecidas.

Das oficinas às aulas nos 5º anos. Matemática que segue um curso desacostumado. Ou (talvez) menos acostumado. Crianças que transitam por possibilidades de pensamento: em que triângulo é também um instrumento musical. 360º graus deve ser igual a menina que gira o pescoço no filme do exorcista. “Elemento neutro” pode significar uma pessoa sem opinião. Cem-tena devia ser escrito assim… Eu penso que o ensino é como a arte, não se controla. Faz-se livre. É. Quero mais é sair por aí. Questionar o que me dizem do fixo. Fazer descaber o sabido. Sentir sabor de uma outra prática. Caminhar sem culpa com colegas do GECEM e com crianças para sonhar e desacostumar. Para “[…] des-formar o mundo: tirar da natureza as naturalidades […]”*, como em bom Manuelês. Professora – Criança outra vez!

*BARROS, Manuel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 75.

1Doutora em Educação Científica e Tecnológica e Professora que ensina Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no Colégio de Aplicação da UFSC.

Há um menino… Há um moleque… Morando sempre no meu coração… Toda vez que o adulto balança… Ele vem pra me dar a mão… (Bola de meia, bola de gude – Milton Nascimento)

14/08/2018 09:06

Por: Débora

Em meio as tagarelices da vida, ecoa uma notícia. E o que ela diz? De inquietude e formação de professores: é sobre isso, especificamente, que uma notícia se espalha, produzindo ruídos e silêncios, provocando pensamentos ao se dispor atravessar o território da educação matemática. Nos atravessamentos enviesados que ressoam por entre a notícia, experiências, vivências, memórias, forças e quereres envolvem e movimentam uma professora, misturam-se as múltiplas vozes e importunam pensamentos.

Estou em curso. Sou movida e produzida na inquietude. Essa inquietude frequentemente bate à minha porta e convida-me a sair do lugar para percorrer lugares não conhecidos, ocupar – mesmo que efemeramente – outros espaços, estranhar o naturalizado, suspeitar do óbvio, desestabilizando a professora de matemática que habita em mim. Em uma destas muitas batidas à porta, a inquietude, vestida de menino moleque, me convidou a perambular e pensar a formação de professores.

Das perambulações produziu-se uma tese que, dentre outras questões, lançou olhares e problematizou uma formação de professores, mediante uma perspectiva que possibilitou transitar da ideia de formação, como espaço de mediação, para oficinas-dispositivo pedagógico, ou seja, como dispositivo mantenedor de práticas de subjetivação e objetivação de professores.

A ideia de problematizar uma formação de professores se deu como um espaço de abertura ao acontecimento, e, sobretudo, como um lugar de resistência que estremeceu certezas, as perspectivas e os lugares dos quais falávamos de formação. Com isso, passou-se a pensar que uma formação de professores pode extravasar fronteiras e deslocar-se de lugares naturalmente aceitos, como aqueles que tratam o ensino e a aprendizagem como ações indissolúveis, capazes de serem controladas, quantificadas e avaliadas, levando sempre a um fim pré-estabelecido.

Recentemente, encontrei-me com um dos tantos textos de Jorge Larrosa, em que, inspirado em Hannah Arendt, nos diz:

A educação é o modo como as pessoas, as instituições e as sociedades respondem à chegada dos que nascem. A educação é a forma em que o mundo recebe os que nascem. Responder é abrir-se à interpelação de uma chamada e aceitar uma responsabilidade. Receber é fazer lugar: abrir um espaço no qual aquele que vem possa habitar, colocar-se à disposição daquele que vem sem pretender reduzi-lo à lógica que rege em nossa casa (2013, p.188)

 

Na quietude de palavras que se encerram junto a uma leitura, sinto-me estarrecida pelos silêncios que ecoam em meus ouvidos. Outra vez a inquietude chega devagar, como quem não quer nada, chama-me à vida e lança-me convites. Insiste com a formação de professores. Quer me fazer pensar com ela e sobre ela. Parece-me que gostou deste lugar. Confesso, que me anima muito pensar a formação de professores. Novamente nos demos as mãos e seguimos perambulando, saltitando, dando voltas e piruetas envolvidos com esta problemática. Sigo-me permitindo. Desejo esbarrar com o desconhecido, viver experiências com a formação de professores, em especial, com a formação de professores de matemática. Afinal, se a educação tem a ver com o modo como respondemos àqueles que nascem e, se educar é receber, é fazer lugar, é preciso, pois, criar condições que possibilitem a existência destes lugares, permitindo então, que a novidade aconteça e o incerto e o desconhecido sejam cultivados. Pensar a educação nesta perspectiva, em particular a formação do professor, é permitir-se aventurar-se por lugares obscuros. Faz-se necessário, pois, superar medos, suspender certezas e desapegar-se dos modelos, para enfim, permitir-se experimentar, inventar, transformar.

 

Referências

LARROSA, J. O enigma da infância ou o que vai do impossível ao verdadeiro. In.: Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Trad. Alfredo Veiga-Neto. 5ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 183-198.

WAGNER, Débora R. Visualidades movimentadas em oficinas-dispositivo pedagógico: um encontro entre imagens da arte e professores que ensinam matemática. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.

Pegadas…

08/08/2018 10:34

Jussara Brigo1

Notas de uma devir-pesquisadora

Pesquisar talvez seja mesmo ir pelo meio da estrada, pelo meio do prédio, pelo meio da floresta, pelo meio do mangue, pelo meio da mata, sem carro, sem escada, sem picadas, sem calçados, sem trilho. Arriscar-se! Perder-se! Experimentar-se!

Os encontros de eu com muitos Outros2 movimentaram-me para o Coração da Ilha da Magia, na Escola Básica Municipal Mâncio Costa situada no bairro Ratones, e potencializaram-me a pensar uma pesquisa de doutorado como Uma Trilha. Eles também possibilitaram-me suspender alguns formatos3, na perspectiva de forma, para a formação docente que praticava e abriram brechas para pensar e ariscar-me em outros formatos e, talvez, a reinvenção de um espaço formativo – Uma Trilha possa ser travessia para Uma Experiência. Para isso, convidam-se amigas4 e Lança-se a Terra para uma trilha-pesquisa-experiência.

Apresentei a proposta para o grupo de profissionais da escola no dia 26 de março de 2018. Fiz isso com um convite-não-convite, como um modo de estar a caminho num devir-pesquisa.  O objeto inventado, nomeado e apresentado no primeiro encontro como sendo um convite-não-convite –feito de arte e poesia- para despertar afetos nas figuras pedagógicas -professoras alfabetizadoras e amigas– que serão as trilheiras pela Ilha não atende aos formatos de um convite5. Sua invenção é uma tentativa de fuga dessa estrutura, ou seja, de um gênero textual, e, quem sabe uma tentativa de pôr-se em exercício de pensamento acerca de certas estruturas que se encontram ancoradas no cotidiano escolar e atravessam o espaço de form/ação6.

Notas da Amiga 1                                                                                                                               Gravador em 57min03s

Quando eu comecei no Ensino Fundamental, a ideia que eu tinha de matemática, era a que eu aprendi, com a forma com que eu aprendi, do jeito que eu aprendi, era aquilo que eu tinha.[…] Então, eu pensei que nesta formação nós vamos pensar na matemática, num jeito diferente de atingir os alunos de outras formas, algo pronto, esse trazer para, algo de fora para dentro.

 

Notas da Amiga 2                                                                                                                              Gravador em 59min22s

[…]conversei com a Amiga 4 sobre minhas dificuldades e ela me disse que teríamos formação para pensar sobre isso. Aí, pensei eu que realmente, que é mostrar as dificuldades que a gente tem em sala, os caminhos que a gente fez para ver se estavam certos ou não, e, tentar uma ajudar a outra. A troca também, porque, às vezes, o que eu pensei é diferente do que tu pensou, aí tu houve outras ideias. E, daí quem sabe a gente chegue no final do ano com algumas dificuldades superadas e os estudantes não vão com as mesmas dificuldades para o ano seguinte.

 

Notas da Amiga 3                                                                                                                         Gravador em 1h06min30s

Como a Amiga 1 falou, quando eu comecei a dar aula, dava da forma como eu aprendi. […]Teve coisas que eu tive que aprender quando eu tive que dar aula […] então, eu pesquiso muito, vou para os livros, vou para a internet e pergunto para mãe como era na época da mãe, tudo assim, porque para tentar facilitar a minha vida e facilitar a vida deles também.

 

Notas da Amiga 4                                                                                                                         Gravador em 1h09min04s

Eu também, passei por todo esse movimento. Inclusive aprendi a usar a régua no magistério onde tive uma professora que me disse que a gente media a partir do zero e pra mim isso foi uma novidade, pois eu sempre comecei medir pelo um.[…] Acho que o desafio é a gente descontruir, por exemplo, aquela ansiedade que a gente tem  e que os pais têm de chegar no algoritmo e na continha armada. Mas como que a gente faz esse caminho se sentindo segura desse caminho? Porque, na verdade, a gente se sente segura ensinando a continha armada porque é assim que gente aprendeu também, e, experimentar esse novo jeito de ensinar. A gente não foi sujeito dessa aprendizagem. Então dá medo, é desafiador.

 

Notas da Amiga 5                                                                                                                          Gravador em 1h12min07s

Isso é verdade, mas que nem a Amiga 3 disse porque lá na academia, ela não fala para gente o que temos de fazer. […]Mas então não é uma receita pronta, mas me mostra as novas oportunidades, porque infelizmente tem professores, não criticando, mas estão dentro da faculdade não tem chão de sala de aula, não passou por aquela experiência, então pelos estudos deles, eles sabem tirar dali, sugar da época deles “O não- fazer”.[…] Mas então vamos nos reunir e mostrar as competências de quem está estudando as novas oportunidades e possibilidades de ensino, até porque eu estou vindo agora para os anos iniciais e não tenho experiência nos anos iniciais, então minha experiência é da minha época enquanto estudante.

 

Ruídos e Ruídos e Ruídos….

O que pode trilha e arquitetura e geometria e form/ação e…e…?

No aqui e no agora7 essas são algumas das ações escritas que pedem passagem quando nos pomos a escutar os ruídos e os barulhos das pegadas pelo meio da Ilha. E, elas também movimentam, violentamente, uma tese de doutorado que tem, por ora, como objetivo geral cartografar o processo de produção de conhecimentos por experiências com professores num espaço formativo e com arquitetura açoriana8. Então propõe-se a trilhar com a problemática de como promover encontros entre professores e matemática e arquitetura e form/ação? Que estratégias e táticas podem ser utilizadas para uma form/ação emancipatória? Para isso busco oficinar encontros para: abrir condição de possibilidade para a invenção de um espaço formativo junto com um grupo de profissionais que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental; fomentar uma formação de professores pela ideia de mestremátic@s; elaborar e desenvolver oficinas que promovam a emergência de experiências formativas, problematizando o visual, a arquitetura, a geometria, a própria formação e, e, e…

1Professora de Matemática na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Doutoranda em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina.

2SCHUCK, C.; FLORES, C. Cartografar entre Imagens: metodologia ou modo de pesquisa em Educação Matemática. Perspectivas da Educação Matemática –UFMS, Vol. 8, Número Temático, 2015;

2BARROS, Regina. PASSOS, Eduardo. Diário de bordo de uma viagem-intervenção. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da. (Orgs.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina,2012.;

2ROLNIK, Suely.  Cartografia Sentimental: Transformações contemporâneas do desejo. Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1989.

3LARROSA, J. (ORG). Elogio da escola. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2017.

3MASSCHELEIN, J; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

3RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

3LEITE, César. Infância, experiência e tempo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.

3DIAS, Karina de A. A formação continuada dos profissionais da educação da rede municipal de Florianópolis: governamento e constituição de subjetividades docentes. Tese (doutorado) Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2017.

3WAGNER, Débora R. Visualidades movimentadas em oficinas-dispositivo pedagógico: um encontro entre imagens da arte e professores que ensinam matemática. Tese (doutorado) Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2017.

4Estar a caminho em uma trilha demanda cativar amigos para caminhar contigo.

5O convite como gênero textual tem partes específicas tais como: destinatário (quem receberá o convite); evento (para que a pessoa é convidada); local do evento (onde será realizado); data do evento (quando o evento acontecerá); horário (hora do evento) e remetente (quem envia o convite).

6Usa-se a palavra com outro estilo, ou seja, a palavra formação será substituída por form/ação, onde a “ação” torna-se potência para o acontecimento do sujeito em conhecer-se, estimar-se, regular-se, disciplinar-se e etc. Sujeito que “[..] é animado por portentosa mescla otimismo, de progressismo e de agressividade: crê que pode fazer tudo o que se propõe (e se hoje não pode, algum dia poderá) e para isso não duvida em destruir tudo o que percebe como um obstáculo à sua onipotência.” (LARROSA, 2017, p.24)9

7Para Deleuze (1997)10 “Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou vivida.” (p.11)

8LEAL, S. Na Esfera das Formas. In: Caronia, A. (Org.). Florianópolis: história e arquitetura. São Paulo: Escrituras,2012.

8VEIGA, E. V. da. Florianópolis: memória urbana. Florianópolis: Editora da UFSC e Fundação Franklin Cascaes, 1993.

8ZEVI, B. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

9LARROSA, J. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

10DELEUZE, G. Crítica e clínica. Tradução de P.P. Pelabart. São Paulo: Ed. 34, 1997.

Pensagens em um projeto

24/07/2018 09:36

Cássia Aline Schuck1

um projeto de tese que pede passagem. Um projeto que se faz, desfaz, se refaz. Que é corpo de uma pesquisadora, de uma professora, de uma estudante, de uma umas. Organiza-se como um projeto-tatear2, uma produção com um pensamento atravessado na multiplicidade de e e e …, que experimenta expor seus conceitos e teorizações da forma menos claustrofóbica possível dos pensares.

Situa-se na matemática e na educação matemática e na visualidade e na imagem e na incerteza e no pensar e no aprender e e e … Engendra novos contornos para habitar e desenvolver uma pesquisa, uma produção de conhecimento.

Para este movimento foi necessário outrar, não pude evitar o deslocamento de especta-dor(a) para experimenta-dor(a). “A dor de outrar. […] Outrar vem então colocar em questão os discursos da identidade, que insistem em relegar à existência uma substancialidade previsível”3.

Emergem dessa dor provocações que envolvem e implicam os e e e …,  bem como, pensagens, aquelas passagens-citações que me atentam a pensar.

Pensagem4 [1] “Ao ser tocada por aquele que vê, a imagem afeta o corpo de maneira intensa, levando-o a problematizar, questionar, enfim, a falar sobre verdades marcadas em formas de pensamento e, no caso que aqui discutimos, formas de pensar matematicamente”5

Pensagem [2] “– isto me olha”6

Pensagem [3] “A incerteza também é um projeto de conhecimento”7

Pensagem [4] “A imagem é um princípio dinâmico, uma potência do pensamento”8

Os conceitos de imagem, visualidade, pensamento matemático se atravessam e são fundantes desta pesquisa. Crary, pesquisador da cultura visual moderna, argumenta que “a visão e seus efeitos são inseparáveis das possibilidades de um sujeito observador, que é a um só tempo produto histórico e lugar de certas práticas, técnicas, instituições e procedimentos de subjetivação”9. Ou seja, estamos inscritos em um sistema de regras, convenções e restrições que formam o modo como olhamos, somos efeitos de relações discursivas e temporais e históricas e sociais e tecnológicas e políticas e institucionais e.

Deslocando-nos de abordagens convencionais em relação a imagem e história da arte e matemática, não desejamos focar em transformações na representação visual (considerando movimentos artísticos enquanto blocos limitados, fechados, datados) para compreender as mudanças de um sujeito, mas sim, compreendê-las [as transformações] como efeitos de reorganizações de saberes e poderes que se dão historicamente [e matematicamente], modificando as relações entre sujeito e imagem e sujeito e mundo e sujeito e conhecimento e.

“Benjamin dizia que a verdadeira história da arte não deve contar a história das imagens, e sim acessar o inconsciente da visão, algo que não se pode conseguir através do relato da crônica, senão por meio da montagem interpretativa”10. Tanto para Walter Benjamin, quanto para Didi-Huberman, “a imagem é uma forma específica de se pensar o tempo histórico-social10. A imagens são “autenticamente históricas”, porque nos abrem ao passado da memória e ao presente da novidade, elas nos mostram o tempo. Um tempo descontínuo, que foge a linha reta de progressão e desenvolvimento, de relação de causa e consequência.

O índice histórico das imagens diz, pois, não apenas que elas pertencem a uma determinada época, mas sobretudo, que elas só se tornam legíveis numa determinada época. E atingir essa “legibilidade” constitui um determinado ponto crítico específico do movimento em seu interior. Todo presente é determinado por aquelas imagens que lhe são sincrônicas: cada agora é o agora de uma determinada cognoscibilidade. Nele, a verdade está carregada de tempo até o ponto de explodir. (Esta explosão, e nada mais, é a morte da intentio, que coincide com o nascimento do tempo histórico autêntico, o tempo da verdade)11.

A imagem, assim, forma sua própria temporalidade, não serve ou não se ajusta a ideia de pontos sobre uma linha reta temporal, mas “abre o tempo”, faz chocar e se esparramar todos os tempos. Ver uma imagem é, portanto, muito mais que uma experiência visual ou ato físico do olho datado. Trata-se de uma relação complexa entre aquele que olha e aquilo que é olhado, não necessitamos escolher entre o que vemos e o que nos olha, há apenas que se inquietar com o entre6. A imagem, desta forma, espera nosso olhar, contudo nunca é ofertada apenas ao nosso olhar, pois também se dirige ao nosso conhecimento, força o pensar e torna possível ler a mentalidade de uma época.

Nesta pesquisa, dentre a multiplicidade de imagens que se colocam, escolhemos as das Artes Visuais, por seu poder singular de nos afetar e provocar pensamentos matemáticos. Não tratando-as como “representação”, nem “coisa”, mas compreendendo-a como sendo algo mais que aquilo que ela mostra, algo que extrapola qualquer conteúdo visível. Pensaremos a imagem, principalmente, como aquilo que os sujeitos veem ao estabelecerem relações com ela e que, ao mesmo tempo, é capaz de inquietar, provocar o pensamento. Desta forma, estas imagens se estendem para além de sua visibilidade, pois inquietam nossa visão, violentando-nos e fazendo-nos, assim, sentir e pensar.

E com pensagens sigo tateando…

Referências

1Professora de Matemática do Instituto Federal Catarinense. Doutoranda em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina.

2Tateia porque cauteloso, porque refreado. “Quando se apaga a luz das certezas prontas e bem-delineadas, tatear implica uma performatividade que transite entre, de um lado, reiterar uma grade em que “eu”, “você” e todo um corpo social permaneçam sãos e salvos do risco de se transformar e, por outro lado, explorar a potencialidade de novos mundos ínfimos e transitórios que se esboçam em cada encontro.” (TONELI, et al, 2012, p. 228)12.

3SIMONI, A; MOSCHEN, S. Outrar. In: FONSECA, Tania; NASCIMENTO, Maria; MARASCHIN, Cleci (Orgs.). Pesquisar na diferença: um abecedário. Porto Alegre: Sulina, 2012.

4Pensagens é o engendramento de pensar [com Deleuze] e passagens [com Benjamin].

5FLORES, Claudia R.. Descaminhos: potencialidades da Arte com a Educação Matemática. BOLEMA : Boletim de Educação Matemática (Online), v. 30, p. 502-514, 2016.

6DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: 34, 1998.

7DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da Imagem: questão colocada aos fins de uma história da arte. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2013.

8PIRES, Eloiza. Experiência e linguagem em Walter Benjamin. Educ. Pesqui. São Paulo, vol.40, n° 3, pp. 813-828. Jul./set. 2014. DOI: 10.1590/s1517-97022014041524.

9CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: Visão e modernidade no século XIX. Tradução de Verrah Chamma. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

10TAVARES, Marcela. O(s) Tempo(s) da Imagem: uma investigação sobre o estatuto temporal da imagem a partir da obra de Didi-Huberman. 2012. 114 p. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em Estética e Filosofia da Arte. Universidade Federal de Ouro Preto, Minas Gerais, 2012.

11BENJAMIN, Walter. Passagens. Tradução e coordenação de Willy Bolle. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/ UFMG, 2009.

12TONELI, Maria; ADRIÃO, Karla; CABRAL, Arthur. Tatear. In: FONSECA, Tania; NASCIMENTO, Maria; MARASCHIN, Cleci (Orgs.). Pesquisar na diferença: um abecedário. Porto Alegre: Sulina, 2012.

Banalidades…

18/07/2018 11:26

Em bom Manoelês já é sabido que o melhor de nós são eles: os outros. Foi daí, na alteridade, no estranhamento do outro, do desconhecido, que uma disciplina de pós-graduação inaugurou presença presente e vibrante nos meses que dizem ser a primeira metade desse ano. Sobre a mesa uma temática: Aprender com Deleuze. Ao redor dela, três grupos de pesquisa interessados em um dedo de prosa de compartilhamento desse pedaço de coisa do mundo: O GECEM, na Universidade Federal de Santa Catarina; o TRAVESSIA, na Universidade Federal de Juiz de Fora; e o GEPEMA, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Manhãs de sexta passarinharam por nossas vidas, conectando-nos pela virtualidade tecnológica que se tornava potência de afeto e de produção de sentidos a cada encontro. Aprendemos? (…) Cada um de nós foi posto na passagem entre o saber e o não saber. E no desejo de [re]encontros. Banalidades…

 

Rosi, numa manhã cheirosa de 18 de julho de 2018.

Do encontro de palavras se tece uma tese

02/07/2018 19:20

Thaline Thiesen Kuhn

thali.thiesen@gmail.com

 […] é certo que as palavras são assim mesmo, vão e voltam, e vão, e voltam, e voltam, e vão, mas porquê estavam estas aqui à minha espera, porquê saíram comigo de casa e não me largaram em todo o caminho, não amanhã, não depois de amanhã, mas hoje, agora mesmo. […] palavras que à primeira vista parecem não passar de um adorno de frase em todos os sentidos dispensável, acabam por meter medo quando nos pomos a pensar nelas e compreendemos aonde querem chegar […]

José Saramago

 

Inicio essa escrita com as palavras de José Saramago para colocar em linhas o que aflige uma doutoranda; o encontro ou des-encontro com palavras. Desse modo, portanto, esta escrita traduz-se como uma tentativa inicial de dar vida a uma tese. Uma tentativa de materializar um pensamento. De captar fragmentos.

Uma escrita que se tece com gestos de mundo, os quais chamam minha atenção. Uma escrita feita em intervalos de sons, de pensamentos meus e de outrem, de palavras dadas, emprestadas, roubadas, rabiscadas, exploradas, trocadas, compartilhadas. Sinto-me que ao escrever uma tese, estou a desvendar e descobrir novos caminhos, e é esse meu modo de escrita: emaranhar-me em meio às palavras, minhas e de outros em “movimento incertos, movediços, provocativos”.

As palavras vêm, vão e voltam. Elas atravessam todos os momentos da minha vida, martelam minha cabeça, saltitam em meus pensamentos, passam dia e noite comigo. Há algum tempo observo as palavras, por vezes, anoto-as no anseio de capturá-las, com medo de não encontrá-las, mas elas sempre me escapam. E, quando me pego a pensar onde quero chegar com essa escrita, elas, as palavras, me assustam ainda mais.

Eu simplesmente fecho os olhos e, me permito atravessar e ser atravessada  pelas palavras que, por outrora, percorrem meus ouvidos e o espaço o qual estou inserida.

Tantas palavras borbulham dentro de mim. As palavras querem pular para fora de mim. Querem vir à tona. Querem ser conhecidas, lidas. Contudo, eis que estou diante delas, e não sei o que fazer. Elas acabam escorregando, tropeçando e me deixando revelá-las.

 

Desenho.

História.

Dispositivo.

Técnico.

Industrial.

Discurso.

Enunciado.

                        Franklin Cascaes.

O fato é que estou encantada com estas palavras. E, é com estas palavras que venho dialogando. Mais do que palavras soltas, elas vão se encontrando e compondo uma tese. Uma tese que problematizará o enunciado que torna a disciplina de Desenho tanto agente, quanto suporte, para uma educação técnico-industrial brasileira, a saber: a disciplina de Desenho é essencial para o desenvolvimento econômico, para a civilidade e o progresso, bem como um saber voltado para preparar os indivíduos para o trabalho. Em outras palavras, quero entender como tal enunciado se entrelaça com outros que compuseram o discurso pedagógico brasileiro em meados do século XX.

No interesse de examinar os enunciados sobre a disciplina de desenho nas escolas industrias do estado de Santa Catarina, escolho para a tese, de modo particular, os materiais pessoais de Franklin Cascaes, professor de desenho por quase três décadas na Escola Industrial de Florianópolis (1941-1970).

Por fim, esta escrita foi produzida entre desejos, dificuldades e expectativas. Foi pensada, elaborada e reorganizada diversas vezes, tentando buscar uma maneira de apresentar ao leitor a ideia de uma Tese que se propõe pensar a disciplina de desenho em meio a um dispositivo técnico-industrial.

Na dança de “remembranças”: um convite

07/06/2018 16:37

Mônica Maria Kerscher –

monicakerscher@gmail.com

Há algum tempo atrás ouvi uma história1 – ou a li, nem me lembro mais ao certo – sobre as peripécias de um homem baixo e rechonchudo, Sancho Pança. Por que não começar com ela? Remembranças se atiçam e lembranças dançam nesta escrita.

Certa vez Sancho Pança foi ao cinema de uma cidade do interior. Numa sala quase cheia com crianças animadas, jovens e adultos. Dom Quixote, seu amigo, já estava lá sentado sozinho, isolado, e olhando fixamente para o telão a espera de o filme começar. Sancho Pança após algumas tentativas de se aproximar de Dom Quixote desiste, sentando-se com desagrado em outro lugar na plateia. O filme começa, era um filme de época, daqueles que o cavaleiro armado salva a mocinha que está nas mãos do vilão malvado. Alguns tiros, algumas fugas e, então, a mocinha é posta em perigo. De repente, Dom Quixote, sem hesitar, fica em pé num pulo só, apanha sua espada contra o telão e ‘luta com o vilão’, rasga o tecido até que as cenas se desfazem nas aberturas feitas por sua espada. A tela do cinema se transforma em retalhos. Todos vão embora, indignados! Não há mais nada para ver ali. Menos para as crianças! Elas continuaram lá, elas veem muitas coisas, encorajam o herói, ficam abertas para a euforia, para o novo, são atravessadas pela imaginação, pelo inesperado, pelo inusitado. As crianças são curiosas, experimentam e deixam-se afetar pelo acontecimento, se incitam com a novidade, com o momento. Estão expostas e dispostas para todos os contatos, a todos os encontros, são sensíveis as vibrações, se envolvem com o prazer da fantasia, da brincadeira.

Pois bem, me passa, nesse momento, que podemos ser, também, crianças que assistem filme com Dom Quixote. Podemos ser criança de domingo2. Que possamos nos permitir despertar o olhar adormecido para pensar o que vemos com a novidade, e não ver o que pensamos com o já visto, com o já pensado, com o já notado, com o já cristalizado. Que permitamos nos colocar em ex-posição na experiência com aquilo que nos toca, nos passa, nos acontece no aqui e agora. Que nos permitamos experiência-de-tonteira! Quando pequena eu rodava, rodava e rodava em torno de mim mesma até ficar tonta e cair. Cair não era bom mas a tonteira era deliciosa. Ficar tonta era o meu vício. Adulta eu rodo mas quando fico tonta aproveito de seus poucos instantes para voar3.

Confesso que já me permiti tonteira, fui criança de domingo e assisti filme com Dom Quixote… Voei! E foi incrível! Não consegui parar (nem quis!).

Certa vez voei com uma pesquisa labiríntica. Uma com-posição que experimentou pensar um modo de educação matemática no entre da martemática com crianças, em meio a oficinas e matemática e arte abstrata geométrica e imagens e experiência e pensamento e visualidade e… e… e… Nessa experimentação me senti atraída pelas passagens, pelas afetações dos encontros, criei conexões, transformei os retalhos rasgados da tela do cinema em potência para pensar no entre. Fui atravessada por martemáticas de experiências que vibraram nas abstrações do pensamento e no pensamento abstrato, na matemática, na arte, na educação (…) e no próprio mundo que se compõe com visualidades, com modos de olhar, pensar e falar. Agenciei (sem-)sentidos. Um – entre tantos – (sem-)sentindo. Um sentido singular. Um sentido que possibilitou o pensar, que afetou (e pode ainda afetar), impulsionou e movimentou palavras e imagens no papel, na imaginação, com experiência abstrata.

Ah! Lembrei-me, ainda, de mais um trecho de algo que escrevi com aquela tonteira do rodopio. Remexi palavras e fiz uma composição de falas de criança e de poesia de Drummond de Andrade:

No meio da aula tinha uma conversa

Tinha uma conversa no meio da aula

Tinha uma conversa

No meio da aula tinha uma conversa

Entre pedras e conversas: conversas. Várias conversas.

Nas ‘bagunças’ da sala de aula um chacoalhão de palavras de criança.

– O adulto faz silêncio, mas não aprende4.

Na dança dessas remembranças, deixo aqui um convite… Um convite para experimentar bagunças de crianças e para fazer bagunça no entre da matemática e da arte abstrata geométrica, com uma experiência de se movimentar por um labirinto rizomático de uma dissertação de mestrado intitulada “Uma martemática que per-corre com crianças em uma experiência abstrata num espaço-escola-espaço”, que brincou de fazer pesquisa, de pensar uma educação matemática, de mexer com as palavras, de perambular por corredores, salas, bifurcações, passagens, compostagens, rasguras, travessias, potencializando o movimento do pensar. Um convite para encarar experiências que ecoam e se misturam nas des-explicações dos (sem-)sentidos, nas (des)organizações do espaço e do tempo, com a própria vida.

           

1 Essa história se encontra com palavras a mais ou a menos, com outras palavras, no capítulo denominado “Os seis minutos mais belos da história do cinema” do livro Profanações de Giorgio Agamben (2007), p. 81-82.

2  Clarice Lispector. Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 51.

3  Clarice Lispector. Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 57.

4 Mônica Maria Kerscher, Uma martemática que per-corre com crianças em uma experiência abstrata num espaço-escola-espaço. 192 f. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Tecnológica) – Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de  Santa Catarina, Florianópolis, 2018, p. 113.

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