Pegadas…

08/08/2018 10:34

Jussara Brigo1

Notas de uma devir-pesquisadora

Pesquisar talvez seja mesmo ir pelo meio da estrada, pelo meio do prédio, pelo meio da floresta, pelo meio do mangue, pelo meio da mata, sem carro, sem escada, sem picadas, sem calçados, sem trilho. Arriscar-se! Perder-se! Experimentar-se!

Os encontros de eu com muitos Outros2 movimentaram-me para o Coração da Ilha da Magia, na Escola Básica Municipal Mâncio Costa situada no bairro Ratones, e potencializaram-me a pensar uma pesquisa de doutorado como Uma Trilha. Eles também possibilitaram-me suspender alguns formatos3, na perspectiva de forma, para a formação docente que praticava e abriram brechas para pensar e ariscar-me em outros formatos e, talvez, a reinvenção de um espaço formativo – Uma Trilha possa ser travessia para Uma Experiência. Para isso, convidam-se amigas4 e Lança-se a Terra para uma trilha-pesquisa-experiência.

Apresentei a proposta para o grupo de profissionais da escola no dia 26 de março de 2018. Fiz isso com um convite-não-convite, como um modo de estar a caminho num devir-pesquisa.  O objeto inventado, nomeado e apresentado no primeiro encontro como sendo um convite-não-convite –feito de arte e poesia- para despertar afetos nas figuras pedagógicas -professoras alfabetizadoras e amigas– que serão as trilheiras pela Ilha não atende aos formatos de um convite5. Sua invenção é uma tentativa de fuga dessa estrutura, ou seja, de um gênero textual, e, quem sabe uma tentativa de pôr-se em exercício de pensamento acerca de certas estruturas que se encontram ancoradas no cotidiano escolar e atravessam o espaço de form/ação6.

Notas da Amiga 1                                                                                                                               Gravador em 57min03s

Quando eu comecei no Ensino Fundamental, a ideia que eu tinha de matemática, era a que eu aprendi, com a forma com que eu aprendi, do jeito que eu aprendi, era aquilo que eu tinha.[…] Então, eu pensei que nesta formação nós vamos pensar na matemática, num jeito diferente de atingir os alunos de outras formas, algo pronto, esse trazer para, algo de fora para dentro.

 

Notas da Amiga 2                                                                                                                              Gravador em 59min22s

[…]conversei com a Amiga 4 sobre minhas dificuldades e ela me disse que teríamos formação para pensar sobre isso. Aí, pensei eu que realmente, que é mostrar as dificuldades que a gente tem em sala, os caminhos que a gente fez para ver se estavam certos ou não, e, tentar uma ajudar a outra. A troca também, porque, às vezes, o que eu pensei é diferente do que tu pensou, aí tu houve outras ideias. E, daí quem sabe a gente chegue no final do ano com algumas dificuldades superadas e os estudantes não vão com as mesmas dificuldades para o ano seguinte.

 

Notas da Amiga 3                                                                                                                         Gravador em 1h06min30s

Como a Amiga 1 falou, quando eu comecei a dar aula, dava da forma como eu aprendi. […]Teve coisas que eu tive que aprender quando eu tive que dar aula […] então, eu pesquiso muito, vou para os livros, vou para a internet e pergunto para mãe como era na época da mãe, tudo assim, porque para tentar facilitar a minha vida e facilitar a vida deles também.

 

Notas da Amiga 4                                                                                                                         Gravador em 1h09min04s

Eu também, passei por todo esse movimento. Inclusive aprendi a usar a régua no magistério onde tive uma professora que me disse que a gente media a partir do zero e pra mim isso foi uma novidade, pois eu sempre comecei medir pelo um.[…] Acho que o desafio é a gente descontruir, por exemplo, aquela ansiedade que a gente tem  e que os pais têm de chegar no algoritmo e na continha armada. Mas como que a gente faz esse caminho se sentindo segura desse caminho? Porque, na verdade, a gente se sente segura ensinando a continha armada porque é assim que gente aprendeu também, e, experimentar esse novo jeito de ensinar. A gente não foi sujeito dessa aprendizagem. Então dá medo, é desafiador.

 

Notas da Amiga 5                                                                                                                          Gravador em 1h12min07s

Isso é verdade, mas que nem a Amiga 3 disse porque lá na academia, ela não fala para gente o que temos de fazer. […]Mas então não é uma receita pronta, mas me mostra as novas oportunidades, porque infelizmente tem professores, não criticando, mas estão dentro da faculdade não tem chão de sala de aula, não passou por aquela experiência, então pelos estudos deles, eles sabem tirar dali, sugar da época deles “O não- fazer”.[…] Mas então vamos nos reunir e mostrar as competências de quem está estudando as novas oportunidades e possibilidades de ensino, até porque eu estou vindo agora para os anos iniciais e não tenho experiência nos anos iniciais, então minha experiência é da minha época enquanto estudante.

 

Ruídos e Ruídos e Ruídos….

O que pode trilha e arquitetura e geometria e form/ação e…e…?

No aqui e no agora7 essas são algumas das ações escritas que pedem passagem quando nos pomos a escutar os ruídos e os barulhos das pegadas pelo meio da Ilha. E, elas também movimentam, violentamente, uma tese de doutorado que tem, por ora, como objetivo geral cartografar o processo de produção de conhecimentos por experiências com professores num espaço formativo e com arquitetura açoriana8. Então propõe-se a trilhar com a problemática de como promover encontros entre professores e matemática e arquitetura e form/ação? Que estratégias e táticas podem ser utilizadas para uma form/ação emancipatória? Para isso busco oficinar encontros para: abrir condição de possibilidade para a invenção de um espaço formativo junto com um grupo de profissionais que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental; fomentar uma formação de professores pela ideia de mestremátic@s; elaborar e desenvolver oficinas que promovam a emergência de experiências formativas, problematizando o visual, a arquitetura, a geometria, a própria formação e, e, e…

1Professora de Matemática na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Doutoranda em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina.

2SCHUCK, C.; FLORES, C. Cartografar entre Imagens: metodologia ou modo de pesquisa em Educação Matemática. Perspectivas da Educação Matemática –UFMS, Vol. 8, Número Temático, 2015;

2BARROS, Regina. PASSOS, Eduardo. Diário de bordo de uma viagem-intervenção. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da. (Orgs.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina,2012.;

2ROLNIK, Suely.  Cartografia Sentimental: Transformações contemporâneas do desejo. Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1989.

3LARROSA, J. (ORG). Elogio da escola. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2017.

3MASSCHELEIN, J; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

3RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

3LEITE, César. Infância, experiência e tempo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.

3DIAS, Karina de A. A formação continuada dos profissionais da educação da rede municipal de Florianópolis: governamento e constituição de subjetividades docentes. Tese (doutorado) Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2017.

3WAGNER, Débora R. Visualidades movimentadas em oficinas-dispositivo pedagógico: um encontro entre imagens da arte e professores que ensinam matemática. Tese (doutorado) Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2017.

4Estar a caminho em uma trilha demanda cativar amigos para caminhar contigo.

5O convite como gênero textual tem partes específicas tais como: destinatário (quem receberá o convite); evento (para que a pessoa é convidada); local do evento (onde será realizado); data do evento (quando o evento acontecerá); horário (hora do evento) e remetente (quem envia o convite).

6Usa-se a palavra com outro estilo, ou seja, a palavra formação será substituída por form/ação, onde a “ação” torna-se potência para o acontecimento do sujeito em conhecer-se, estimar-se, regular-se, disciplinar-se e etc. Sujeito que “[..] é animado por portentosa mescla otimismo, de progressismo e de agressividade: crê que pode fazer tudo o que se propõe (e se hoje não pode, algum dia poderá) e para isso não duvida em destruir tudo o que percebe como um obstáculo à sua onipotência.” (LARROSA, 2017, p.24)9

7Para Deleuze (1997)10 “Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou vivida.” (p.11)

8LEAL, S. Na Esfera das Formas. In: Caronia, A. (Org.). Florianópolis: história e arquitetura. São Paulo: Escrituras,2012.

8VEIGA, E. V. da. Florianópolis: memória urbana. Florianópolis: Editora da UFSC e Fundação Franklin Cascaes, 1993.

8ZEVI, B. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

9LARROSA, J. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

10DELEUZE, G. Crítica e clínica. Tradução de P.P. Pelabart. São Paulo: Ed. 34, 1997.